A Árvore de Natal” é uma história que se passou comigo há alguns anos. Foi escrita nessa altura e partilhada primeiro com a família alargada. Agora decidi incluí-la aqui no site, para que faça parte deste espaço de histórias que vou guardando e partilhando.


Árvore de Natal

Não me recordo bem em que dia foi, mas parece-me que foi na segunda-feira passada, era o dia 12 de Janeiro. Ia passando na 11th St SE, no cruzamento com a D St, quando reparei numa dessas árvores de Natal. Jazia no passeio, meio coberta pelos restos de neve da noite anterior. Olhou para mim, com ar de súplica. Nunca tinha reparado que as árvores de Natal nos podiam olhar nos olhos. Parei. Também olhei para a árvore — não sei bem para onde, mas olhei — e sentei-me a seu lado, na borda do lancil.

A árvore agradeceu-me e perguntou, na sua voz moribunda, se tinha tempo para ouvir a sua história de vida. Era curta a sua história, assegurou-me a árvore. Afinal, era uma árvore de Natal.

— Com certeza — senti-me compelido a dizer. “Como se pode negar uma última atenção a um moribundo?”, pensei eu.

A árvore começou a contar a sua história:

— Eu ainda não sabia o que era a vida de uma árvore quando, um dia, ouvi o barulho de uma máquina e vi as minhas amigas de brincadeira a caírem e a serem encamisadas e empilhadas num camião. Ouvi o barulho da máquina a aproximar-se e senti qualquer coisa no meu pé. Gritei bem alto, para que me deixem em paz, mas nada, ninguém me respondeu e, num ápice, vi-me no chão, onde fui encamisada e depois empilhada no camião.

A carga de árvores, como eu, foi crescendo. Quando acharam que o camião estava carregado, puseram-se em marcha.

A viagem demorou algumas horas e já tinha anoitecido quando começámos a ver muitas luzes ao longe, mesmo muitas luzes. Que céu seria aquele? O céu que eu conheço também tem muitas luzes à noite, mas não tantas como aquelas. E cada vez mais e maiores. E pessoas, tantas pessoas. Nunca tinha visto tanta gente junta. Na nossa montanha, de vez em quando vinha alguém ver-nos. Passava por nós, às vezes acariciava-nos e seguia viagem. Sim, víamos muitos animais, em especial os passarinhos, que usavam os nossos ramos para descansar, e algumas de nós até tinham a sorte de servir de casa para os passarinhos. Eu não cheguei a ter essa sorte.

O camião parou. Começaram a tirar-nos e... a pôr-nos de pé?! Mas então, para que nos cortaram e nos trouxeram para aqui? Porque me cortaram?

Percebi que estava na cidade. A cidade até era bonita, com grandes luzes, de várias cores, umas que acendiam e apagavam... E tantas pessoas a andarem de um lado para o outro. Às vezes até ficava tonta de olhar. E os grandes vidros? Todos enfeitados com coisas bonitas, com as crianças de narizes colados a olharem para o seu interior?

Até que este sítio não era nada desengraçado. Tinha muito mais movimento do que a minha montanha. E as crianças? Gostava tanto quando elas ficavam perto de mim a pedir aos pais para me levarem. Mas, levarem para onde? Ainda não era aqui que eu ia ficar? “Mas porque me cortaram?”, pensava eu de novo.

Até que um dia, uma família me levou mesmo. Voltaram a encamisar-me. Acho que deve ser para não estragar os meus ramos. Colocaram-me em cima do tejadilho do carro, atada, e seguiram viagem. Eu até estava a gostar de ver coisas novas, mas já eram viagens a mais. Mas pronto, pensava eu, seria este o meu destino? Viajar?

Chegámos a uma casa. Esta que aqui está por detrás de nós.

Levaram-me para a sala e ergueram-me num lugar de destaque. Donde estava podia ver todas as movimentações da casa. Estava no centro das atenções desta família. Se foi para isto que me cortaram, bom, até não parece mal de todo. Fazer parte de uma família de humanos.

Mas o melhor, mal sabia eu, ainda estaria para vir. A família trouxe umas caixas de cartão com bolas e luzinhas e outros objectos, muito bonitos e coloridos. Toda a família se juntou à minha volta a pendurar esses objectos e luzinhas nos meus ramos. Podia ver-me no espelho grande que existia na parede à minha frente. Que delícia! Como eu estava bonita! E quando ligaram as luzes?! Nunca mais vou esquecer esse momento. Senti tanto calor e carinho de todos.

Os dias seguintes foram igualmente bonitos. Depositaram embrulhos muito coloridos, e com laços, aos meus pés. Sentia-me quase como uma deusa. Toda a família à minha volta, embrulhos aos meus pés… Que mais podia uma simples e jovem árvore como eu desejar?

Seguiram-se assim os dias. De vez em quando, com menor frequência, vinham depositar um embrulho colorido aos meus pés. Os mais pequenos vinham todos excitados tentar perceber o que estaria dentro do embrulho. Houve alguns que até os meteram mais debaixo dos meus ramos, para que mais ninguém os visse. Só eu os poderia ver. Como era feliz nesses dias.

Veio um dia em que toda a família se juntou à minha volta. Como eles estavam felizes nesse dia. E eu, claro que também estava muito feliz. Ser o centro das atenções, ter todos à minha volta. Que felicidade… pensava eu. Até que houve alguém que disse que já estaria na hora. “Hora de quê?”, pensei eu. Dos meninos irem para a cama? De facto, àquela hora já deveriam estar deitados.

“Boa!”, gritaram as crianças. “Vamos abrir os presentes.” Abrir os presentes? Pensei eu. Mas os presentes são meus. Foram vocês que os colocaram aos meus pés. São meus. Eu é que os abro.

Ninguém me ligou nenhuma. Distribuíram os presentes entre eles e fizeram grandes festas enquanto os abriam. Estavam tão contentes enquanto desfaziam as minhas caixinhas coloridas. E aqueles laços? Ai o que eles fizeram àqueles laços…

Abriram todas as caixinhas coloridas. Nem uma ficou para mim. Eu teria ficado satisfeita só com uma. Podia ser a mais pequena. Mas não, não sobrou nada. Nessa noite, a meus pés só ficou um monte de papéis coloridos e amarrotados e alguns laços espalhados pelo chão.

No outro dia já ninguém chegou ao pé de mim. Só vieram apanhar os papéis e laços espalhados pelo chão.

Nos dias seguintes, mais ninguém veio perto de mim. Nem as crianças… E era a primeira coisa que faziam quando acordavam, vir ao pé de mim e espreitar, a tentar adivinhar o que estava dentro dos embrulhos. Já não havia embrulhos.

Passaram mais uns dias, e já ninguém me ligava nenhuma. A minha única alegria era o cintilar das luzes nos meus ramos.

Até que um dia chegaram de novo perto de mim, com as caixas de cartão. Senti os meus ramos vibrarem… Iria de novo ser o centro da família?

Não, não, por favor, não me tirem essas bolinhas dos meus ramos. Já fazem parte de mim. Não, por favor, deixem ficar as luzes, são a minha alegria durante a noite… Por favor, deixem estar essa estrela no alto da minha cabeça. Fica tão bem com o meu verde…

Mas ninguém me ouviu. Ou então fizeram orelhas moucas. Despiram-me completamente. Despojaram-me de todos os meus adornos. Nunca me tinha sentido tão nua.

Nessa noite, ainda fiquei em casa. Despojada de todos os meus pertences, no escuro, sem as minhas luzinhas ou o céu estrelado.

No dia seguinte, colocaram-me aqui…

Esta noite nevou. Já não estou habituada ao frio e não sei o que me espera agora. Sinto a minha vida extinguir-se. Por favor, fica aqui mais um pouco comigo.

Luis Bramão

Washington, DC

Janeiro 2016